domingo, 17 de janeiro de 2010

Terremoto no Haití

O homem nasceu selvagem e, contrariando a própria natureza de sua origem, de modo paranóico e inconvincente, "resolveu" separar-se de seus semelhantes selvagens, declarando-se - para si mesmo e para os outros - um ser diferente: um ser humano.

E, de modo fantástico, tem continuado essa jornada chamada de "humanidade" do modo mais selvagem, inconcebível para qualquer outro animal que reage simplesmente aos seus instintos. Mas se os instintos animais, dos quais o homem, queira ou não a "civilização", também participa, se limitam, desde a básica sobrevivência, que inclui alimentar-se, hidratar-se, procriar e abrigar-se dos ataques de outras espécies e da própria Natureza, o homem, esse "ser fantástico", na acepção de William Shakespeare, pela perigosa civilização, tornou a afirmativa de Guimarães Rosa de que "viver é perigoso" num perigo muito maior.

Estimulado por necessidades que não são básicas, como a gula, a luxúria, o orgulho, a ambição avarenta, a preguiça, a ira e a pior de todas as criações dessa famigerada civilização consumista e de mercadores de ilusões materiais, a inveja e a competição pelo poder que enche os bolsos dessa patota de adoradores eternos do Bezerro de Ouro, cada vez mais resistentes aos apelos dos Moisés que apareceram no decorrer desse famigerado "progresso".

"Progresso" que nos levará a uma hecatombe por provocarmos a toda poderosa e insuperável Natureza, da qual fazemos parte total, e da qual tentamos nos separar pela paranóia nietzscheana de abrigarmos um Zaratustra dentro de cada um de nós. E é esse super-homem que fala por nós, nos sufoca, nos aniquila, nos destrói, ao invés de, como a admirável Dra. Zilda Arns, pela humildade consciente e socrática do "apenas sei que nada sei", caminharmos para o auto-conhecimento que nos permitirá entender o proprio irmão, na assertiva humilde do "conheça-te a ti mesmo", que nos permitirá conhecer o nosso semelhante.

Para terminar, meus agradecimentos a Schiller, famoso poeta do romantismo germânico, quando declarou: "Quer se conhecer? Olhe para um semelhante! Quer conhecer seu semelhante? Olhe-se ao espelho!". E não há espelho mais refulgente do que a alma quando vista pelos olhos do coração. E não há exemplo de tudo isso, nesse momento de dor e paixão cristã no Haití, do que o chamamento a todos nós de termos sempre a lembrança viva de Zilda Arns em nossos pensamentos e atitudes perante nós mesmos e nossos semelhantes.
Este artigo foi escrito por um leitor do Globo

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