quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

As panelas e Astraças


Se você recebesse de sua irmã uma panela velha como herança, o que faria? Celebraria fazendo o prato predileto dela? Buscaria na lembrança tudo o que viveram ao redor e longe daquela panela velha? Ou simplesmente, por consideração, a deixaria guardada no fundo do armário até que outra pessoa a colocasse no lixo?

Parece irreal receber uma panela velha de herança... Mas o fato é que um dia isso aconteceu e tornou-se o mote para a criação dramatúrgica assinada por Débora Brenga. “Astraças e suas quinzenas” cumprirá uma temporada de apresentações em Sorocaba, no espaço cultural Chalé Francês.



Estive no lançamento do espetáculo, no Frans Café, ao qual compareceram autoridades da cultura, artistas, amigos e familiares dos envolvidos na produção. Foram montadas instalações com as panelas, o figurino e as fotos do processo criativo.
Minha impressão: a apresentação de Débora Brenga revelou uma mulher poética, de reflexões profundas, observadora da vida, apaixonada pela obra concebida, encantada com a natureza humana tão densa, envolvida em sombra e luz, conflitos e pureza, tão nua e tão escondida.




“Cinco mulheres que sonham sonhos secretos demais e vivem sob o mesmo teto e partilham problemas reais e não tão reais assim, cujo entorno parece perdido no mundo, em um tempo escuro por demais. Cinco mulheres vivas ou mortas, loucas ou equilibradas, rudes ou sensíveis demais, que tentam entender esse mundo e essa vida que as cerca, às vezes luminosa, às vezes sombria demais. Porque tudo na vida e na morte das mulheres claras da Família Astraças é sempre por demais”, assim Débora define as personagens.


Acredito que encontraremos nesta peça teatral vestígios da nossa realidade, histórias que ouvimos, sentimentos que nos marcaram, pessoas que conhecemos, sonhos e ilusões que tivemos. Apesar de a história se passar durante a pós-abolição, os figurinos serem de época e a maneira de falar de outro século, os conflitos das mulheres da Família Astraças são atemporais.



Vale destacar o local da apresentação. O charmoso Chalé Francês restaurado recentemente, com certeza, nas suas paredes, invisíveis, estão marcas do tempo e de pessoas que passaram por ele. Aliás, o lugar tem capacidade para 40 pessoas, porém, o espaço cênico montado e a interpretação, acredito, poderão compensar a falta de mais lugares.





Uma novidade foi o ator Jairo Leme se apresentar como Xavier Filho. Além de atuar, ele assina a concepção e a direção do espetáculo. Esta “dualidade” atiçou minha curiosidade. Xavier Filho e Jairo Leme são a mesma pessoa?! O que Xavier diz de Jairo e vice-versa? Enfim, brincadeira à parte, de fato gostaria de saber!



Ah! Muito legal a proposta de diálogo entre duas expressões presentes na montagem: cinema e teatro. Um começa e outro termina, se misturam, trocam de lugar, se relacionam.



Eu disse no início da postagem que o mote da história é real. Aconteceu assim: um testamento do século 17 é rapidamente citado no livro “O Rosto de Shakespeare”, de Marjorie Garberm que diz: “(...) uma tal de Katherine Sampson que morreu em 1682 assim distribui suas quatro panelas de aquecer, que eram usadas com brasas para aquecer os lençóis... no inverno: a melhor delas fica para a irmã mais velha, a segunda melhor, para a segunda irmã, e assim vai até a quarta. Quatro panelas para quatro irmãs”.



O convite está feito: “Astraças e suas quinzenas”, texto de Débora Brenga e direção de Xavier Filho. Primeira montagem do grupo Panã Paná Cia. de Arte, patrocinada pela LINC – Lei de Incentivo à Cultura. Apresentações até 20 de fevereiro, sábados e domingos, em duas sessões: 19h00 e 21h00, entrada gratuita (o convite deverá ser retirado 30 minutos antes do espetáculo). Local: Chalé Francês, na Rua Souza Pereira, em frente à estação ferroviária.



E Débora Brenga, uma pergunta que espero resposta: por que "Astraças"?



Abraço, até a próxima semana.

Andréa Freire

Obrigada Andréa, muito bacana sua matéria!!!!!!!



“Astraças e suas quinzenas” – Panã Paná Cia. De Arte


Elenco: Solange Solis [Flora]; Maria Helena Barbosa [Judite]; Regina Claro [Catarina]; Carmem Machado [Marcela]; Lidi Nascimento [Alba] e Jairo Leme [Ernesto].


Texto: Débora Brenga. Preparação Corporal: Regina Claro. Preparação vocal: Mariane Gusmão. Trilha original: João Leopoldo. Cenografia: Alexandre Carvalho. Assessoria de Moda: Jéssica Pássaro. Costura: Zinha Bordieri. Edição de Imagens: Olívia Brenga. Operação de Som: Isadora Lomardo. Fotos: Digon Diniz. Produção Administrativa: Lidi Nascimento. Produção executiva: Ricardo Devito. Assistência de Direção: Chico Ribeiro. Concepção e Direção: Xavier Filho.

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